Transação Tributária - Da Obrigatoriedade de Remessa para a PGFN dos Débitos Vencidos há Mais de 90 dias para Fins de Inscrição em Dívida Ativa

O Código Tributário Nacional (“CTN”), que foi recepcionado pela Constituição Federal (“CF”) como norma geral em matéria tributária, determina em seu art. 201, que constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular. No plano da legislação ordinária, a Lei n. 4.320/1964 determina que os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, após o decurso do prazo para pagamento, serão inscritos em dívida ativa em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, fato que permitirá, na sequência, a escrituração da respectiva receita da UNIÃO. Vejamos:

No plano infralegal, determina o Decreto-Lei n. 147/1967, que versa sobre a lei orgânica da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, que dentro de noventa dias da data em que se tornarem findos os processos ou outros expedientes administrativos, pelo transcurso do prazo fixado em lei, regulamento, portaria, intimação ou notificação, para o recolhimento do débito para com a União, de natureza tributária ou não tributária, as repartições públicas competentes, sob pena de responsabilidade dos seus dirigentes, são obrigadas a encaminha-los à Procuradoria da Fazenda Nacional para efeito de inscrição em dívida ativa:

Por fim, a Portaria MF n. 447/2018, que estabelece os prazos para cobrança administrativa no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB, determina que, dentro de 90 (noventa) dias da data em que se tornarem exigíveis, os débitos de natureza tributária ou não tributária devem ser encaminhados pela RFB à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), para fins de controle de legalidade e inscrição em Dívida Ativa da União. Vejamos:

Depreende-se, portanto, que vencido o tributo federal há mais de 90 (noventa) dias, o débito correspondente deve ser encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para fins de inscrição em dívida ativa. Tal fato permite, por um lado, o reconhecimento da receita pública (crédito tributário líquido e certo), e por outro lado, que seja iniciada a cobrança judicial com os privilegiados meio de cobrança de expropriação patrimonial previstos da Lei das Execuções Fiscais (Lei n. 6.830/1980). E tudo isso em nome da indisponibilidade do crédito tributário e do interesse público, que deve prevalecer em detrimento do particular, conforme será exposto com mais vagar no tópico seguinte.

Essa obrigatoriedade se torna ainda mais relevante quando prejudica o contribuinte de exercer outros direitos, como ocorre com aqueles que desejam regularizar a totalidade dos débitos tributários de sua reponsabilidade por meio do instituto da transação tributária perante a PGFN, mas ficam impedidos de considerar os débitos ainda não inscritos em dívida ativa porque a RFB não cumpriu seu dever legal de inscrevê-los.

Sobre essa questão, a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais da 1ª e 3ª Regiões estão pacificadas no seguinte sentido: (i) constatada a superação do prazo de 90 dias para inscrição em dívida ativa e verificada a inércia da RFB, resta caracterizada a ilegalidade da omissão administrativa; (ii) a inércia da Receita Federal no cumprimento desse dever administrativo compromete o direito do contribuinte de aderir às modalidades de transação tributária previstas no ordenamento jurídico. É o que se infere dos julgados a seguir colacionados:

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO:

“DIREITO TRIBUTÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. INÉRCIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. ENCAMINHAMENTO DE DÉBITOS À PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL. TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA. PRAZO DE 90 DIAS. ART. 2º DA PORTARIA MF 447/2018. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDA I. CASO EM EXAME

1. Remessa necessária interposta contra sentença que concedeu asegurança para determinar que a autoridade impetrada encaminhe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional os débitos tributários da impetrante, vencidos há mais de 90 dias, permitindo sua inscrição em Dívida Ativa da União e viabilizando a adesão ao programa de transação tributária.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2. A controvérsia envolve: i) a análise da omissão da Receita Federal do Brasil no cumprimento do prazo de 90 dias previsto no art. 2º da Portaria MF 447/2018 para o encaminhamento de débitos à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; e ii) os efeitos dessa omissão na possibilidade de adesão da impetrante à transação tributária regulamentada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3. A legislação vigente determina que os débitos vencidos, não suspensos, devem ser encaminhados pela Receita Federal à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no prazo de 90 dias, para controle de legalidade e inscrição em Dívida Ativa da União, conforme o disposto no art. 2º da Portaria MF 447/2018.

4. A inércia da Receita Federal no cumprimento desse dever administrativo compromete o direito do contribuinte de aderir às modalidades de transação tributária, previstas no ordenamento jurídico.

5. No caso examinado, restou comprovada documentalmente a existência de débitos vencidos há mais de 90 dias, sem qualquer causa suspensiva, o que autoriza o encaminhamento à Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional.

6. A jurisprudência deste Tribunal reconhece a legitimidade da intervenção judicial para determinar a adoção dessa providência, quando constatada a omissão da autoridade administrativa, de forma a preservar o direito do contribuinte à regularização fiscal.

7. Diante da conformidade da sentença com os fundamentos legais e jurisprudenciais aplicáveis, impõe-se a sua manutenção integral.”

(REOMS 1027824-10.2023.4.01.3600, DESEMBARGADOR FEDERAL PEDRO BRAGA FILHO, TRF1 - DÉCIMA-TERCEIRA TURMA, PJe 21/08/2025 PAG. – original sem destaques) “DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA NECESSÁRIA. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. PRAZO LEGAL DE 90 DIAS. INÉRCIA DA RECEITA FEDERAL. TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA. CONCESSÃO DE SEGURANÇA. REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDA.

I. CASO EM EXAME

1. Remessa necessária de sentença que concedeu a segurança, para determinar à autoridade impetrada que promova o encaminhamento dos débitos da impetrante à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, para fins de inscrição em dívida ativa da União.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2. A questão em discussão consiste em verificar a legalidade da omissão da Receita Federal do Brasil no encaminhamento dos débitos da impetrante à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, ultrapassado o prazo de 90 dias previsto na Portaria do Ministério da Fazenda 447/2018, impedindo a adesão da impetrante aos programas de transação tributária regulamentados por aquela Procuradoria.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3. A legislação aplicável estabelece o prazo de 90 dias para que a Receita Federal do Brasil encaminhe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional os débitos exigíveis, de natureza tributária ou não, para fins de inscrição em dívida ativa da União.

4. Constatada a superação do referido prazo em relação aos débitos da impetrante e verificada a inércia da autoridade impetrada, resta caracterizada a ilegalidade da omissão administrativa.

5. A não remessa dos débitos obsta o exercício de direito da impetrante à adesão a programas de transação tributária, cuja exigência legal é a inscrição em dívida ativa.

6. A sentença encontra respaldo na Portaria do Ministério da Fazenda 447/2018 e nos precedentes jurisprudenciais do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que reconhecem a obrigação da Receita Federal em promover o encaminhamento dos créditos no prazo legal.

7. Não houve interposição de recurso voluntário, tampouco foram apresentadas novas razões jurídicas ou fáticas aptas a infirmar os fundamentos da sentença, cujos termos foram expressamente adotados como razões de decidir no acórdão. IV. DISPOSITIVO 8. Remessa necessária desprovida.”

(REOMS 1042076-54.2023.4.01.3200, DESEMBARGADOR FEDERAL PEDRO BRAGA FILHO, TRF1 - DÉCIMA-TERCEIRA TURMA, PJe 18/07/2025 PAG. – original sem destaques)

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO:

“Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. MORA DA ADMINISTRAÇÃO. PROGRAMA DE TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO CONFIGURADO. REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDA.

I. CASO EM EXAME

Mandado de segurança impetrado por contribuinte com o objetivo de compelir a autoridade fiscal a promover a imediata remessa de débitos exigíveis há mais de 90 dias para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), viabilizando sua inscrição em dívida ativa e posterior adesão ao programa de transação tributária previsto no Edital nº 02/2024. A sentença concedeu a segurança e, ausente recurso voluntário, os autos subiram por força da remessa necessária.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

A questão em discussão consiste em verificar se a omissão da autoridade administrativa na remessa de débitos vencidos e exigíveis há mais de 90 dias para inscrição em dívida ativa configura ilegalidade capaz de violar direito líquido e certo da impetrante, especialmente quando tal inscrição é condição para adesão a programa de transação tributária.

III. RAZÕES DE DECIDIR

A Portaria ME nº 447/2018 estabelece o prazo de 90 dias para que a Receita Federal remeta os débitos tributários à PGFN para inscrição em dívida ativa, transcorrido o qual configura-se mora da Administração. A impetrante demonstrou interesse legítimo na inscrição dos débitos em dívida ativa, uma vez que esta é condição indispensável para sua adesão ao programa de transação tributária previsto no Edital nº 02/2024.

A demora injustificada da autoridade administrativa impede o exercício de direito da contribuinte, caracterizando violação a direito líquido e certo, passível de correção pela via do mandado de segurança.

IV. DISPOSITIVO E TESE

Remessa necessária desprovida.

Tese de julgamento:

A mora da autoridade administrativa em promover a remessa de débitos vencidos há mais de 90 dias para inscrição em dívida ativa configura ilegalidade apta a violar direito líquido e certo do contribuinte.

É cabível mandado de segurança para assegurar a inscrição de débitos em dívida ativa quando esta for condição necessária à adesão a programa de transação tributária.

Dispositivos relevantes citados: Portaria ME nº 447/2018; CF/1988, art. 5º, LXIX. Jurisprudência relevante citada: TRF 3ª Região, 1ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 5001128- 45.2024.4.03.6131, Rel. Desembargador Federal ANTONIO MORIMOTO JUNIOR, julgado em 26/06/2025, DJEN DATA: 01/07/2025; TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000307-95.2024.4.03.6113, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA ANDRADE LOTUFO, julgado em 31/01/2025, Intimação via sistema DATA: 06/02/2025.” (TRF 3ª Região, 2ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 5003126-02.2024.4.03.6114, Rel. Desembargadora Federal AUDREY GASPARINI, julgado em 14/10/2025, Intimação via sistema DATA: 16/10/2025 – original sem destaques)

“DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA REMESSA DE DÉBITOS VENCIDOS À PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL. NECESSIDADE DE INSCRIÇÃO PARA POSSIBILITAR ADESÃO A TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA. REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDA.

I. CASO EM EXAME

Remessa necessária interposta em face de sentença que concedeu a segurança pleiteada em mandado de segurança, determinando à autoridade impetrada que procedesse à remessa imediata, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, dos débitos da parte- impetrante vencidos há mais de 90 dias e sob gestão da Receita Federal, para fins de inscrição em dívida ativa. O pedido baseou-se na necessidade de referida inscrição para viabilizar a adesão a transação tributária.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

A questão em discussão consiste em definir se o contribuinte tem direito líquido e certo à remessa imediata, pela Receita Federal, de seus débitos vencidos há mais de 90 dias à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com vistas à inscrição em dívida ativa da União, quando essa providência é necessária para possibilitar a adesão a transação tributária.

III. RAZÕES DE DECIDIR

O mandado de segurança busca proteger direito líquido e certo, nos termos do art. 5º, inciso LXIX, da CF/1988 e do art. 1º da Lei nº 12.016/2009.

A Lei nº 13.988/2020 prevê a possibilidade de transação tributária para extinção de créditos da Fazenda Pública, inclusive os inscritos em dívida ativa.

O art. 2º da Portaria nº 447/2018 do Ministério da Fazenda estabelece prazo de 90 dias para que a Receita Federal promova a remessa de débitos à PGFN para fins de inscrição em dívida ativa.

A ausência de remessa, após expirado o referido prazo legal, compromete a possibilidade do contribuinte aderir a modalidades de transação fiscal, caracterizando ineficiência administrativa e violação à razoável duração do processo.

No caso concreto, demonstrado que os débitos estavam vencidos há mais de 90 dias, a inércia da autoridade fiscal prejudica o exercício de direito pelo contribuinte, o que justifica a concessão da segurança.

Mantida a sentença que determinou a imediata remessa dos débitos para inscrição em dívida ativa, por configurar medida necessária e legítima à fruição de benefício legal.

IV. DISPOSITIVO E TESE

Remessa necessária desprovida.

Tese de julgamento:

“1. O contribuinte possui direito líquido e certo à remessa, pela Receita Federal, de seus débitos vencidos há mais de 90 dias à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, para fins de inscrição em dívida ativa, quando essa providência for indispensável à adesão a transação tributária. 2. A omissão administrativa no cumprimento do prazo previsto no art. 2º da Portaria nº 447/2018 do Ministério da Fazenda viola os princípios da eficiência e da razoável duração do processo.”

Legislação relevante citada: CF/1988, art. 5º, LXIX; Lei nº 12.016/2009, art. 1º; CTN, art. 156, III, e art. 171; Lei nº 13.988/2020, arts. 1º e 3º; Decreto-Lei nº 147/1967, art. 22; Lei nº 13.105/2015 (CPC), art. 487, III, alínea c; Portaria nº 447/2018 do Ministério da Fazenda, art. 2º.”

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 5000347-70.2025.4.03.6104, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 13/10/2025, Intimação via sistema DATA: 15/10/2025 – original sem destaques)

Pelo exposto, o contribuinte possui o direito de ter remetidos para inscrição em dívida todos os débitos tributários de sua responsabilidade vencidos há mais de 90 (noventa) dias, nos termos dos artigos 201, do CTN, §1º do art. 39, da Lei n. 4.320/1964, 22 do Decreto-Lei n. 147/1967, 1º e 2º da Portaria MF n. 447/2018.